20.9.09

Fabiana Karla: No Rio, o gordo é mais discriminado do que o negro

No dia 24 de setembro, Fabiana Karla, 33 anos, conhecida por pap?is c?micos como o da doutora Lorca, do "Zorra Total", vai encarar o desafio de fazer o seu primeiro drama no teatro. Ela ser? Helena, protagonista da pe?a ?Gorda?, de Neil Labute, que ? bem resolvida com seus quilinhos a mais, mas passa a ser alvo de preconceito ao se envolver com um homem magro.

Apesar da identifica??o com a personagem por causa de sua forma f?sica, esse tipo de drama nunca passou perto da vida de Fabiana Karla. Neste bate-papo com o EGO, ela conta que nunca foi v?tima de preconceito por ser gordinha, que sempre namorou caras bonitos na adolesc?ncia e que hoje os gordos sofrem mais preconceito do que os negros em lugares como o Rio de Janeiro, onde a forma f?sica ? intensamente cultuada. Confira!


EGO: Voc? fala com muita tranquilidade e at? do?ura a palavra ?gorda?. Mas ela j? te machucou?
Nunca vivi um momento em que eu tenha sido tratada de forma grosseira por ser gorda. O maior impacto para mim foi quando cheguei e me deparei com o texto. Eu me assustei, chorei e pensei: meu Deus! Isso existe e d?i! Pesou muito escutar nomes grosseiros em uma coisa em que eu n?o me enquadrava. Custou muito digerir isso nos ensaios, mas consegui tirar de letra. N?o tenho a pretens?o de que as pessoas achem que estou fazendo o melhor papel dram?tico do mundo. S? quero contar essa hist?ria. Estou feliz por poder ousar com outra vertente do trabalho e acho que vai ser um divisor de ?guas na minha carreira.

Em que momentos da pe?a voc? se reconheceu?
Na pe?a, me toca muito o momento em que o Caco fala para o Tony: ?Ela ? uma porca.? Fico deprimida. Fico chocada com essa mania das pessoas acharem que quem ? gordo ? sempre porco. N?o ?! Ent?o todo branco ? azedo?

Voc? acha que a sociedade est? mais cruel hoje com essa coisa da forma f?sica ou sempre foi assim?
Acho que tudo hoje ? dia virou uma m?quina. ? muito f?cil voc? ter o nariz ou a bunda que voc? quer. Voc? vai ali compra uma bunda, um peito. ? claro que os crit?rios aumentam. Voc? come?a a ver todo mundo com o corpo mais organizado e vai querer chegar nesse padr?o tamb?m. Acho que as pessoas est?o muito mais preocupadas com a forma f?sica. No Rio de Janeiro, por exemplo, por seu um lugar que tem praia, as pessoas pautam muito sua vida pela forma f?sica e pelo bem-estar. Acho que o gordo ? mais discriminado do que o negro no Rio de Janeiro. Os dois tipos de discrimina??o s?o p?ssimos, mas por causa da din?mica da cidade, o gordo ? ainda mais discriminado. As pessoas acham que voc? ? gordo porque quer, porque ? sem-vergonha.

Fabiana Karla: 'Quando li o texto, chorei'

Voc? sempre foi gordinha?
Sempre, desde crian?a. Teve uma ?poca na minha vida que a vaidade aumentou, na adolesc?ncia. Com uns 16 anos, consegui me manter com uns 60kg. Mas depois que tive meus tr?s filhos ? tenho uma filha de 12, uma de 11 e um menino de 9 anos - ficou dif?cil, n?o tinha como n?o ficar gordinha, at? porque tenho tend?ncia para ganhar peso.

Teve dificuldades para arrumar namorado por causa de sua forma f?sica?
Antes de casar, sempre namorei bastante e sempre tive namorados muito gatinhos. Eu era do tipo que levava os meninos no papo. Quando um rapaz estava me paquerando, eu nunca piscava de volta porque sen?o tava arriscado ele dizer: ?Olha aquela gordinha fazendo careta?? Mas quando algu?m me olhava e ?a baixando o olhar para dar uma conferida no material, eu sacudia o cabelo e fazia alguma coisa para o olhar subir. ?s vezes, ficava com o pesco?o duro de tanto balan?ar cabelo, mas voltava para casa com o telefone do gatinho. Nunca namorei feio. Eu peguei legal (risos).

J? fez muitas dietas?
J?, mas tenho uma coisa que ? o fato de eu gostar de me olhar no espelho e ver como eu sou. Sou muito vaidosa. Adoro o meu cabelo, fa?o unha, adoro a minha pele hidratada. N?o adianta voc? ser magro e mal cuidado. Prefiro ver que minha pele ? bem cuidada. Deixo de comer certas coisas porque isso vai se refletir na minha pele, mas n?o por causa do meu corpo. Minhas duas irm?s, que s?o g?meas, fizeram cirurgia de redu??o de est?mago, e eu tenho dez mil pessoas que me ligam todos os dias para oferecer essa cirurgia, como se fosse a salva??o da minha vida. Se eu quisesse, j? teria feito. Mas ? uma quest?o minha. N?o ficaria feliz de me olhar no espelho e n?o me ver assim, como sou. Seria como se eu estivesse murcha. Agora ? claro que eu queria voltar a ter dois d?gitos na balan?a, porque eu estou com tr?s (risos). Mas por quest?o de sa?de mesmo. Mas n?o fa?o apologia ? gordura, s? quero que as pessoas se aceitem como elas s?o.

Fabiana: exerc?cio cont?nuo para interpreta??o mais calma

O que te deu essa autoestima toda? Foi a sua cria??o?
Fui criada para ser uma crian?a feliz ? base de elogio. Acho que quando o pai elogia a gente que ? mulher, a gente j? cresce com mais seguran?a. Isso d? mais confian?a. Acho que posso agradecer muito ao meu pai, o senhor Eliseu (risos).

Voc? ? m?e de duas meninas e um menino. Como elas s?o?
Beatriz, que tem 12 anos, ? magrinha, mas a Laura, de 11, ? bem gordinha. ? danada, mas ? muito feliz como ?. S? sai toda arrumadinha, cheirosinha. Mas acho que ela vai ter o momento do estalo da adolesc?ncia e vai querer emagrecer um pouquinho.

Ela lida bem com essa quest?o do peso na escola?
Minha filha j? sofreu ?bullying?( termo ingl?s utilizado para descrever atos de viol?ncia f?sica ou psicol?gica). Laura n?o caiu nessa pilha. Mas quando vimos que estava tomando um vulto muito grande, fomos na escola, conversamos e propus uma reuni?o geral. N?o queria s? favorecer a minha filha, mas que todo mundo pensasse e fosse respeitado.

Como fez para compor a Helena, de Labute?
Tive que colocar meu humor nos p?s, me despir de qualquer arma e come?ar a buscar o novo, essa atmosfera de dramaturgia que eu ainda n?o tinha experimentado. A Helena ? uma pessoa que voc? identifica facilmente na rua, n?o ? como no "Zorra" que, por mais que voc? identifique, ? caricato.

? a sua primeira experi?ncia com o drama?
A experi?ncia mais dram?tica que tive foi no filme ?A M?quina?. Ali, tentei passar uma verdade atrav?s da Nazar?, que era minha personagem. Ela tinha uma coisa muito verdadeira, um olhar puro. A partir dali, comecei a buscar isso e gostei. Mas tenho que fazer um exerc?cio cont?nuo para ter uma interpreta??o mais calminha. Se deixar, fa?o uma brincadeira atr?s da outra. Quero sempre rir de alguma coisa.
Publicado em globo.com/ego

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