Milton Gonçalves, Caetano Veloso e Noel Rosa, o que eles tem em comum?
Milton Gonçalves interpreta um político corrupto e um pai execrável, o Romildo Rosa (nada a ver com o Noel Rosa) na telenovela A Favorida da TV Globo.
Caetano Veloso assinou o manifesto dos 113 intelectuais contra as cotas raciais e tornou-se "inimigo" do movimento negro que luta por justiça social.
Noel Rosa, sambista dos anos 30, travou uma "polêmica musical" com Wilson Batista que tinha como pano de fundo uma certa apropriação do samba pela classe média nem sempre "branca" e as transformações sociais daquela época em que a figura do malandro associada principalmente ao negro, se encontrava sobre forte pressão social.
Milton reclamou há pouco numa entrevista ter sido interpelado por alguns admimiradores seus que o recriminaram por ele estar interpretando um "político negro corrupto " e não "um político corrupto qualquer. Nosso imaginário social apenas reconhece que um ator negro interprete um personagem negro. Mas não é porque somos burros, é porque fomos acostumados assim, especialmente na TV.
Milton é uma daquelas personalidades talentosas que se tornam controversas quando confunde ou é confundido com seus personagens na vida real. Para parte de seu público a confusão ou a decepção se instaura quando alguma das suas opiniões não tem o mesmo valor que seu talento artístico ao debate-las com o público, mas este mal acomete grande parte dos nossos ídolos artísticos. Talvez, o que parte do seu público expresse seja um cuidado com ele que também é um político filiado a um partido e que depois desse papel, certamente, jamais terá uma candidatura viável. Por outro, somos uma audiência carente de representações positivas do negro o que torna pertinente a questão: se os negros só fazem papéis de negros como poderíamos estar representando qualquer político?
Caetano é polemista e libertário o que não o isenta de ter posições conservadoras em algumas questões como demonstrou ao assinar o famigerado manifesto dos anti-cotistas e se aliar às posições reacionárias, mistificadoras e racistas expressas naquele documento. Grande parte de sua obra musical possui uma exaltação à cultura afro-brasileira que é uma das suas fontes de inspiração e referência. Mas neste episódio das cotas sua opinião quando confrontada com as demandas sociais do negro, se torna reacionária.
Noel se tornou uma referência para o samba por inúmeras composições que contribuíram para a sua transformação ao gosto mais elitizado e exigente de uma estética identificada à emergente classe média. Noel foi o mensageiro definitivo do samba neste gosto diluindo a crítica áspera, irônica e muitas imagens líricas do samba do morro em mensagens poéticas mais elaboradas traduzindo o 'samba negro' num produto cultural híbrido e para alguns num 'samba de branco'.
Juntos nesta questão, Milton, Caetano e Noel se aproximam nas referência que oferecem para a interpretação de algumas contradições que carregam e para que nós seus admiradores possamos compreendê-los na sua humanidade, nos limites e potenciais de seus talentos e o que isso representa na época em que vivem ou viveram.
A questão da cotas raciais para negros, índios e outros segmentos sociais discriminados é um reconhecimento tardio de desigualdades resistentes e uma barreira preventiva contra os privilégios da minoria que tem sido tradicionalmente beneficiada sob a capa de um "universalismo" eurocentrado. As cotas estão consagradas em inúmeros países em que as diferenças étnicas, raciais entre outras, foram motivo para a produção de desigualdades. A luta pelas cotas buscam reduzir as desigualdades econômicas, educacionais, políticas e sociais.
Noel Rosa ao interpelar Wilson Batista nos sambas que compôs demarcou a transformação que o samba exigia ao gosto de um segmento mais amplo de público impulsionado pelo rádio e pelo disco.
Caetano Veloso representa o intelectual antropofágico, modernista, desconstrutor de alguns mitos, irreverente, provocativo e certamente paradoxal, o que não o exime de cometer bobagens e muito menos de que elas sejam repudiadas e colocadas num contexto para que possamos tentar desvendar seu enigma. Neste aspecto, o enigma a ser desvendado pode estar na sua própria antropofagia cultural que tanto pode produzir o belo quanto o monstruoso. Se Caetano consegue produzir obras-primas poéticas e musicais, já, as suas posições políticas começam a revelar deslizes em que sua apropriação da cultura negra se revela apenas identificada com um esteticismo descompromissado com os portadores históricos de suas matrizes culturais. Algo como beber na fonte e cuspir no rio.
Neste aspecto o que tem em comum com Milton Gonçalves é o repúdio envergonhado que este fez das cotas quando afirma que elas não resolvem "questões centenárias" e por isso não teriam sua validade em reduzir as desigualdades. Ele equivocadamente valoriza o mérito acadêmico como critério único de admissão à universidade e transforma o cotista num desqualificado pretencioso quando diz:- "Não posso apenar um branco que tirou dez na prova e dar seu lugar a um negro que tirou cinco." Definitivamente, as cotas não são isto.
Nossos protagonistas não perdem absolutamente o seu valor nem tem seus talentos diminuídos por episódios controveros ou equivocados, mas são por isso mesmo, exemplos que servem para nos dar o limite de suas opiniões, menores que seus talentos em questões fora do campo de suas especialidades.
Noel Rosa não foi consultado sobre as cotas, mas sabia que a malandragem já não dava camisa a ninguém, Milton Gonçalves crê numa "malandragem" das cotas, enquanto Caetano fazendo coro aos anti-cotistas, crê que elas ensejariam a "transformação do Brasil num país racista"(?).
A crítica à malandragem feita por Noel Rosa sobre Wilson Batista acaba por revelar com mais nitidez através da interpretação que Caetano fez ao samba "Feitiço da Vila" os conteúdos racistas que a letra possui, acho que ele tentou "consertar" o estrago que fez, e quem sabe o "Romildo Rosa" até o fim da novela não se "conserte" também se tornando um político exemplar?
Milton Gonçalves interpreta um político corrupto e um pai execrável, o Romildo Rosa (nada a ver com o Noel Rosa) na telenovela A Favorida da TV Globo.
Caetano Veloso assinou o manifesto dos 113 intelectuais contra as cotas raciais e tornou-se "inimigo" do movimento negro que luta por justiça social.
Noel Rosa, sambista dos anos 30, travou uma "polêmica musical" com Wilson Batista que tinha como pano de fundo uma certa apropriação do samba pela classe média nem sempre "branca" e as transformações sociais daquela época em que a figura do malandro associada principalmente ao negro, se encontrava sobre forte pressão social.
Milton reclamou há pouco numa entrevista ter sido interpelado por alguns admimiradores seus que o recriminaram por ele estar interpretando um "político negro corrupto " e não "um político corrupto qualquer. Nosso imaginário social apenas reconhece que um ator negro interprete um personagem negro. Mas não é porque somos burros, é porque fomos acostumados assim, especialmente na TV.
Milton é uma daquelas personalidades talentosas que se tornam controversas quando confunde ou é confundido com seus personagens na vida real. Para parte de seu público a confusão ou a decepção se instaura quando alguma das suas opiniões não tem o mesmo valor que seu talento artístico ao debate-las com o público, mas este mal acomete grande parte dos nossos ídolos artísticos. Talvez, o que parte do seu público expresse seja um cuidado com ele que também é um político filiado a um partido e que depois desse papel, certamente, jamais terá uma candidatura viável. Por outro, somos uma audiência carente de representações positivas do negro o que torna pertinente a questão: se os negros só fazem papéis de negros como poderíamos estar representando qualquer político?
Caetano é polemista e libertário o que não o isenta de ter posições conservadoras em algumas questões como demonstrou ao assinar o famigerado manifesto dos anti-cotistas e se aliar às posições reacionárias, mistificadoras e racistas expressas naquele documento. Grande parte de sua obra musical possui uma exaltação à cultura afro-brasileira que é uma das suas fontes de inspiração e referência. Mas neste episódio das cotas sua opinião quando confrontada com as demandas sociais do negro, se torna reacionária.
Noel se tornou uma referência para o samba por inúmeras composições que contribuíram para a sua transformação ao gosto mais elitizado e exigente de uma estética identificada à emergente classe média. Noel foi o mensageiro definitivo do samba neste gosto diluindo a crítica áspera, irônica e muitas imagens líricas do samba do morro em mensagens poéticas mais elaboradas traduzindo o 'samba negro' num produto cultural híbrido e para alguns num 'samba de branco'.
Juntos nesta questão, Milton, Caetano e Noel se aproximam nas referência que oferecem para a interpretação de algumas contradições que carregam e para que nós seus admiradores possamos compreendê-los na sua humanidade, nos limites e potenciais de seus talentos e o que isso representa na época em que vivem ou viveram.
A questão da cotas raciais para negros, índios e outros segmentos sociais discriminados é um reconhecimento tardio de desigualdades resistentes e uma barreira preventiva contra os privilégios da minoria que tem sido tradicionalmente beneficiada sob a capa de um "universalismo" eurocentrado. As cotas estão consagradas em inúmeros países em que as diferenças étnicas, raciais entre outras, foram motivo para a produção de desigualdades. A luta pelas cotas buscam reduzir as desigualdades econômicas, educacionais, políticas e sociais.
Noel Rosa ao interpelar Wilson Batista nos sambas que compôs demarcou a transformação que o samba exigia ao gosto de um segmento mais amplo de público impulsionado pelo rádio e pelo disco.
Caetano Veloso representa o intelectual antropofágico, modernista, desconstrutor de alguns mitos, irreverente, provocativo e certamente paradoxal, o que não o exime de cometer bobagens e muito menos de que elas sejam repudiadas e colocadas num contexto para que possamos tentar desvendar seu enigma. Neste aspecto, o enigma a ser desvendado pode estar na sua própria antropofagia cultural que tanto pode produzir o belo quanto o monstruoso. Se Caetano consegue produzir obras-primas poéticas e musicais, já, as suas posições políticas começam a revelar deslizes em que sua apropriação da cultura negra se revela apenas identificada com um esteticismo descompromissado com os portadores históricos de suas matrizes culturais. Algo como beber na fonte e cuspir no rio.
Neste aspecto o que tem em comum com Milton Gonçalves é o repúdio envergonhado que este fez das cotas quando afirma que elas não resolvem "questões centenárias" e por isso não teriam sua validade em reduzir as desigualdades. Ele equivocadamente valoriza o mérito acadêmico como critério único de admissão à universidade e transforma o cotista num desqualificado pretencioso quando diz:- "Não posso apenar um branco que tirou dez na prova e dar seu lugar a um negro que tirou cinco." Definitivamente, as cotas não são isto.
Nossos protagonistas não perdem absolutamente o seu valor nem tem seus talentos diminuídos por episódios controveros ou equivocados, mas são por isso mesmo, exemplos que servem para nos dar o limite de suas opiniões, menores que seus talentos em questões fora do campo de suas especialidades.
Noel Rosa não foi consultado sobre as cotas, mas sabia que a malandragem já não dava camisa a ninguém, Milton Gonçalves crê numa "malandragem" das cotas, enquanto Caetano fazendo coro aos anti-cotistas, crê que elas ensejariam a "transformação do Brasil num país racista"(?).
A crítica à malandragem feita por Noel Rosa sobre Wilson Batista acaba por revelar com mais nitidez através da interpretação que Caetano fez ao samba "Feitiço da Vila" os conteúdos racistas que a letra possui, acho que ele tentou "consertar" o estrago que fez, e quem sabe o "Romildo Rosa" até o fim da novela não se "conserte" também se tornando um político exemplar?
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