15.12.08

Sem vocação para o poder em nome de Zumbi

Reunião do Conneb- RJ em 13 dezembro 2008

Fui neste sábado a uma reunião do Conneb organizada pela executiva do Rio de Janeiro para criarem um posicionamento sobre a questão quilombola. A reunião transformada em improvisado seminário visava suprir a impossibilidade de sua realização em Campos (RJ) que foi assolado recentemente por torrenciais chuvas de primavera. Procurou-se nesta nova reunião dar um aproveitamento a data já agendada convidando representantes dos quilombos da cidade do Rio de Janeiro que não compareceram.
Uma outra alternativa nesta pauta improvisada foi o convite a intelectuais acadêmicos para suprir a falta de informação qualificada sobre a questão quilombola que para alguns não deveriam ser convidados face ao desinteresse já verificado em ocasiões anteriores. Parece existir atualmente uma forte rejeição ao formato ou rumos do Conneb que afasta ou impede que este segmento se (re)aproxime, além disso, há uma forte apologia do empirismo confundida com produção intelectual orgânica o que impede a produção de análises qualificadas da conjuntura e de propostas que sejam subsídios para o projeto político pretendido pelo Conneb.
Existe também uma antipatia ao que estes intelectuais representam, alguns deles ex-militantes que hoje se dedicam através da vida acadêmica a outras formas de ação. Há ainda, os intelectuais estrelados que não se furtam em dar crédito ao movimento negro, mas que também não se curvam mais ao debate aberto com a militância depois das posições conquistadas nas suas carreiras acadêmicas.
Os presentes eram a típica militância negra que se intitula 'o movimento negro' composta basicamente de militantes e ex-militantes sindicais e partidários, funcionários e ex-funcionários públicos, uns poucos militantes que são profissionalmente ligados a ongs ou a outros movimentos sociais.
Os jovens, os estudantes, os cotistas, os artistas entre muitos outros certamente dedicavam seu sábado a outros afazeres e confraternizações de fim de ano.

O encontro definido como seminário contou com uma pauta temática apresentada por Iêdo Ferreira membro do MNU-RJ e quem propôs originalmente o Conneb. Após uma rápida leitura dos tópicos do texto foi aberta a discussão à participação dos presentes. Certamente sem o tempo necessário para uma reflexão e muito mais ainda, sem o conhecimento suficiente da questão quilombola o encontro volta e meia era transformado em assembléia política com as intervenções feitas em inflamados discursos assembleístas com as tradicionais palavras-de-ordem, além dos chavões de sempre. Com isso, a reunião não só fugia do proposto por insuficiência de conteúdo das propostas apresentadas para orientação da discussão como também as intervenções que foram em geral desprovidas do conhecimento da questão quilombola para que fossem formulado um posicionamento adequado.

Na falta de uma divergência de fundo conclui-se por uma convergência de superfície onde todos concordam com o óbvio. Assim, cada um cumpre seu papel de acordo com seu personagem e enredo e saímos todos felizes com o dever cumprido de ter dado vida a mais uma reunião.

Onde está o movimento negro que subsidiou a cena política de muitas das conquistas que hoje mal podemos desfrutar face as dificuldades de sua execução, da falta pressão política, de mecanismo de controle, recursos e articulações que nos permitam sair do isolacionismo e do imobilismo?

Na verdade há um setor do movimento negro que perdeu o foco da dinâmica política, das transformações ocorridas no fazer política e das próprias conquistas que proporcionou. Do lado de cá dos cargos governamentais, abandonados e isolados por aqueles que sustentaram apoiados nas velhas práticas políticas e que hoje curtem seus cargos, seguem no ostracismo de uma ex-vanguarda política que representaram apegados a um passado que a realidade deu outra configuração - ainda que sobre muitas das mesmas velhas questões.

Hoje, o movimento negro querendo-se ou não é plural e mais do que parece, ao menos para o centralismo pretendido por alguns, o movimento negro está cada vez mais presente em 'todos os lugares'. Por não entenderem isso, buscam conduzir a luta política não na vanguarda mas na retaguarda do movimento negro. E não por purismo do essencial combate à desigualdade racial, mas por convicções de que ela está condicionada aos preceitos da 'revolução social' que foi enterrada pela história e que muitos ainda tentam revivê-la como num teatro onde por suas conquistas e derrotas o guerreiro não soube tornar-se cavaleiro quando a guerra mudou o 'front' da batalha.
Sem vocação para o poder, sem referências atuais, sem modelos para oferecer seguem em nome de Zumbi como os herdeiros dos escravos que se proclamaram os bons.

2 comentários:

radiomamaterra disse...

Pô! Num deve estar tao lamentável assim! Ou é verdade?

Vissungo disse...

Zé,

Acho que esta aguda questão é a chave de tudo.
É, sobretudo recorrente esta falência das lideranças do Mov.Negro (mesmo se reconhecermos que o esvaziamento e a cooptação do movimento social como um todo, é um fenômeno típico do Brasil atual).

Para mim, o mais dramático (e, lamentavelmente, do mesmo modo recorrente) é a ignorância demonstrada acerca de nossa própria história e cultura (o queE são realmente quilombos remanescentes?), demonstrada por uma certa suposta (e autodeclarada)liderança que, mesmo havendo alcançado instancias de poder político e/ou acadêmico, continua a aceitar posições subalternas, a reboque de teorias, historiografias, formas de luta e conceitos etnológicos, chavões e lugares-comuns em em suma, ditados pelas mesmas instancias que se deveria questionar e combater (os donos da verdade e do poder de sempre)

O germe disto, nós do Mov. negro já portávamos nos gloriosos anos 70 (tanto que acabamos cooptados como militantes de segunda classe por partidos 'brancos'), não mudamos muito, o Brasil foi quem mudou (não exatamente para melhor, penso eu).

Como o racismo não acabou, é duro aceitar (muitos não aceitarão ou nem entenderão o que ocorre), mas, o fato é que precisamos reciclar posições, discursos e, sobretudo estimular o surgimento de uma liderança de tipo novo.

Senão, aí é que ficará lamentável mesmo...

Na boa.

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