A idéia deste texto se originou a partir de minha participação em alguns grupos na internet que se articulam contra o racismo no Brasil e que tem como pressuposto que os seus integrantes sejam na maioria negros.
Por se tratar de um território virtual qualquer identidade é possível desde que se deseje fazê-lo, além do que neste tipo de grupo não se pede nem faz sentido qualquer identificação que não seja a declaração de interesse. Também é comum em grupos temáticos que muitos dos participantes se conheçam pessoalmente. Outra possibilidade é que se estabeleçam afinidades ou conflitos a partir da opinião de um ou mais participantes em determinada questão. De maneira geral o índice de participação ativa é muito baixo pressupondo que a maioria participa de modo passivo das questões tratadas por concordância, curiosidade pessoal ou política. Nestes micro-territórios virtuais a figura do moderador exerce um poder de controle necessário quanto maior e participativa for a “atuação” dos membros, sobretudo se tratando de questões político-sociais e ideológicas, a polêmica é o fluído.
Alguns fatos recentes transcorridos num destes grupos me revelaram a seguinte questão: podemos falar de um movimento negro virtual?
Um conhecido jornalista da grande imprensa escreveu em sua coluna sobre uma polêmica havida na lista ou grupo Discriminação Racial entre alguém que se apresentara de modo confuso sobre a sua identidade racial. Entre alguma polêmica, a pessoa por fim se identificou como branca e pretendia participar daquele grupo por ela reconhecido como integrado por negros em sua maioria. Ingênua na sua sinceridade, certamente pretendia uma participação ativa e perguntou se deveria ficar na lista. O jornalista famoso que poucos imaginavam que estivesse entre os membros do grupo revelou para o público leitor do jornal (O Globo, Preto no Branco em 18/04/2007) a questão, o que gerou intenso repúdio no grupo que se sentiu violado na sua “privacidade” e na abordagem que não contemplava outras questões mais relevantes. As questões aqui suscitadas são: existe privacidade no mundo virtual? É possível querer determinar num espaço público o que deve ou não ser discutido ou a forma de abordar determinada questão?
Outro fato que me chamou a atenção se referiu a uma publicidade na TV de significado (talvez) ambíguo
Cito o trecho relevante da mensagem postada:
“e gastamos nosso tempo discutindo BOMBRIL/ PELÉ / RACISMO - esse trio de 1001 utilidades para nos desviar do massacre que esta ocorrendo contra a comunidade da Vila Cruzeiro e nada acontece DE PROTESTO dessa comunidade negra consciente e militante dos YAHOOS GRUPOS. Os militantes que estão fora dos yahoos grupos tem participado das passeatas e protesto contra esse massacre...”.
Espaço Público Virtual.
Antes de prosseguir é preciso reconhecer o ambiente virtual. Espaço público virtual é uma das possíveis definições para a função adquirida pela Web de produzir “comunicação interativa e coletiva” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_L%C3%A9vy). Esta tecnologia aumenta em proporções inimagináveis a capacidade de comunicação entre os diversos setores e atores sociais, e todo participante destes grupos de discussão sabem bem disso ou presumem. Na vida virtual a primeira 'lista' de internet ‘a gente nunca esquece’ pela emoção de poder comunicar-se com dezenas, centenas de assinantes. Motivação para participar do debate, trazer as próprias preocupações, pontos de vista, iniciativas, simplesmente acompanhar as discussões ou ainda para alguns, torná-la uma extensão da sua lista de correio eletrônico. Em geral as 'listas' também servem para uns mais que para outros de veículo de promoção profissional ou pessoal.
Pelo seu caráter coletivo potencialmente democrático aberto a variadas formas manifestações os grupos de discussão na internet são espaços públicos virtuais. E por tais características diferem no tratamento das questões sociais e políticas na forma da expressão de opiniões e iniciativas do espaço público real. Uma dessas diferenciações é o possível anonimato e a identidade virtual forjada que são possibilidades inerentes ao meio internet. Outra se refere à forma de fazer política.
O Ciberativismo ou Ativismo Virtual.
Desde os anos 90 com a internet já consolidada surgiu um novo tipo de ativismo que foi chamado de virtual, on-line, digital ou ciberativismo. São comunidades virtuais de luta política e social articulados mundialmente ou regionalmente para promoverem manifestações no campo virtual e real. Foram formados pelo descenso dos movimentos sociais e inicialmente focados nas lutas sociais globais: antiglobalização econômica, antiguerras, ajuda humanitária e defesa do meio ambiente; buscando uma ampla articulação e representatividades globais em contraposição àquela globalização. Promovendo e realizando a comunicação de fatos e eventos entre grupos de diversos países e regiões e possibilitando uma intensa e variada troca de informações, tais como estudos, relatos de experiências e emoções, processos criativos, etc. Articulando ações reais e virtuais como campanhas contra sites, meios de comunicação, organizações, empresas, políticos. Criando relações sociais também de um novo tipo, relações virtuais sem correspondência na vida real, mas efetivas no campo político e emocional.
A Tradição Política do Movimento Negro.
O movimento negro é herdeiro da tradição política dos movimentos sociais de rua e assembleístas compostos de pequenos ou grandes grupos em iniciativas de convocação e participação coletivas e de massa como passeatas, manifestação de protestos, etc., que consagraram este modelo e função do espaço público em nosso imaginário. E que são historicamente a ação típica dos movimentos sociais e políticos. Contudo, também pertencemos a uma época que amplia seus canais de participação através das ferramentas de comunicação eletrônica que não substituem a ação política representando positivamente uma das suas possibilidades. Além do que, têm a capacidade de mobilizar instantaneamente e em tempo real centenas, milhares de pessoas.
Por outro lado desde os anos 90 e ainda hoje no nosso país estamos mais afetados ainda pelo risco do pensamento único, não mais o neoliberal, mas daquele gerado pela ascensão da oposição ao poder. Neste contexto boa parte dos movimentos sociais vem perdendo sua capacidade de mobilização. De outro modo, cria-se assim no campo virtual uma outra forma de mobilização mais ou menos efetiva de pessoas para determinadas causas e ações.
A herança histórica e o papel das manifestações públicas reais são sem dúvida necessária para as conquistas sociais. Mas hoje se descortina um outro tipo de ação social e política que precisa ser levada em conta e que apesar de menos visível ou palpável, não é ineficiente por isso.
O Movimento Negro Virtual.
O movimento negro virtual é uma outra maneira de se fazer política e que sem dúvida, não substituiu outras formas tradicionais de ação política e social. Os grupos de discussão ou 'listas' são espaços públicos virtuais onde se podem desenvolver ações políticas efetivas, tais como campanhas de denúncias, mobilizações para ações reais e virtuais, circulação de manifestos entre outros tipos de ações focais por meio eletrônico tais como ataques hacker e cracker. Não se deve desqualificar ou invalidar tantas possibilidades para a formação de um movimento negro virtual ou, sobretudo, de iniciativas ainda que algumas vezes mal estruturadas. Os próprios grupos de discussão de que participamos é uma face deste novo movimento. Além disso, diversas iniciativas são feitas através das 'listas' como recentemente ocorreu com um manifesto virtual de apoio à Ministra Matilde Ribeiro da Seppir – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Com a complexidade atual do tecido social, com o desenvolvimento tecnológico e, sobretudo nas comunicações não devemos subestimar este poder. O potencial das redes de comunicação vai além do uso que se tem feito mais comumente como ocorre na maioria dos grupos virtuais de simples listas de circulação de comunicados e divulgação de idéias. E a medida que dominarmos melhor as tecnologias e tivermos maiores disponibilidades de recursos tudo será mais efetivo. Estamos agora mesmo, entrando na era da convergência digital da comunicação entre radio, TV, Internet e celular gerando maior interoperacionalidade, racionalização de recursos e maior uso de meio áudio-visuais. Este enorme potencial, ainda que pese a exclusão digital e o alto custo desses serviços e aparelhos, conduzem já a uma maior responsabilidade sobre o seu uso e conteúdo produzido para seu melhor aproveitamento. Recentemente foi anunciado o serviço de Internet para algumas comunidades quilombolas e ainda a televisão digital entrará em operação a partir deste ano, além da TV pública que se anuncia para breve. São recursos para os quais devemos estar melhor preparados se quisermos de fato intervir positivamente neste processo não só de mudanças sociais e tecnológicas mas também de combate ao racismo e a desigualdade social. E estes objetivos não serão atingidos apenas usando banda de comunicação para fazer ruído.
Um comentário:
Oi Zé,
Muito bom o artigo...
Uma sugestao: seria legal uma hora voce fazer uma análise do Orkut, que é outra piracao, onde se cruza tudo e toda forma de agrupamentos... E como podemos analisá-lo como "fator" político" além das formas normais de relacionamento.Li outro dia aqui na Alemanha existem que firmas na Europa que já estao se utilizando o Orkut como "fonte" de contatos profissionais de altonível... nas minhas andancas lá dentro já vi grupos de tudo: neonazis, fascistas, racistas, contra racismo, movimento indígena, etc etc etc...
Abracao aí,
e vamos nessa
Ras Adauto
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