A ação policial que é realizada há mais de trinta dias na comunidade da Vila Cruzeiro localizada no bairro da Penha no Rio de Janeiro é emblemática das relações históricas mantidas entre o Estado e as comunidades pobres onde a presença negra é marcante.
Antes de ser reconhecida como uma favela a Vila Cruzeiro foi conhecida como o Quilombo da Penha. Formado no final século XIX no entorno da Igreja de N. S. da Penha proprietária das terras de uma antiga fazenda doadas por seu proprietário à Irmandade. A formação do Quilombo se deveu a atuação de um padre abolicionista e republicano no abrigo a escravos fugidos. Um fato curioso ocorrido e também emblemático foi a visita da Princesa Isabel ao Santuário 18 dias antes de proclamada a Lei Áurea.
O santuário tornou-se um importante centro de peregrinação da colônia portuguesa gerando uma das mais importantes e tradicionais festas populares das primeiras décadas do século XX. A própria história do samba passa pela Festa da Penha onde no mês de outubro eram (e ainda são) dedicadas homenagens à santa e se misturavam portugueses com as tradições católicas e negros com o candomblé, a capoeira e o emergente samba.
A festa da Penha também foi durante mais de meio século o início do carnaval na cidade do Rio de Janeiro quando eram lançados os sambas e marchinhas em teste junto ao gosto popular para os bailes carnavalescos. Já que a primeira rádio só veio a ser criada em 1923, até então era a festa da Penha o grande difusor do samba e Tia Ciata a freqüentou com sua barraca até sua morte em 1924. A capoeira também teve na Penha um dos grandes redutos de bambas e junto ao samba e ao Candomblé geravam por parte da polícia forte repressão que era aclamada e incentivada pela imprensa contra aquele “pessoal duvidoso”, os conflitos também ocorriam entre negros e portugueses.
A presença mais notória e recente sobre a Vila Cruzeiro no noticiário se deveu ao assassinato do jornalista Tim Lopes há um ano. E agora, desde há pouco mais de trinta dias quando foi iniciada uma operação policial pela morte de dois policiais militares executados por criminosos daquela região ocorridas no local da morte cruel do menino João Hélio, fato que gerou grande comoção e foi amplamente noticiado e que também contribuiu para estas ações policiais.
Durante a última campanha eleitoral para o governo do estado o atual governador Sérgio Cabral chegou a declarar que sobre um dos maiores focos de terrorismo sobre estas populações o temível Caveirão não seria mais utilizado para promover a in-segurança pública local. Mas ao contrário, agindo como qualquer político da época da enganação da ‘bica d’água’ tem levado às últimas conseqüências uma política que só tem similar no regime nazista do apartheid. Eleito com expressiva votação e sob uma aliança de forças políticas progressistas o atual governador que chegou a ser apontado como eventual candidato a próxima eleição à Presidência da República tem agora inelutavelmente manchada sua anterior reputação de protetor da terceira idade e dos jovens, imagem sob a qual chegou até ao senado federal.
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