25.11.09

IPCN - história e decadência do Movimento Negro no Rio de Janeiro

O IPCN vai completar em 2010 seus 35 anos de existência tendo cumprido um importante papel na formação do movimento negro no Rio de Janeiro com repercusões em todo o Brasil nos seus primeiros 15 anos. Não foram poucas as suas contribuições na formação de quadros de militância, fortalecimentos de setores comunitários, estudantis e sobretudo de mulheres negras. Também na área cultural foram fortalecidas muitas iniciativas de grupos e talentos individuais. Além disso, o IPCN - Instituto de Pesquisas das Culturas Negras contribuiu na consolidação do ideal democrático durante o período da ditadura militar através da mobilização de jovens e a de alguns militantes de velha esquerda que puderam fosse através da cultura negra, do combate ao racismo e da afirmação da identidade negra questionarem o autoritarismo militar, o etnocentrismo europeu, a elitização cultural, a marginalização popular entre outras questões presentes na agenda política da época.
Ma o IPCN atingiu um limite, cumpriu um papel e entrou em decadência nos anos 90, abandonado pela militância, seus quadros migraram para outros movimentos sociais, ongs, partidos e cargos governamentais. O IPCN funcionou ao logo de duas décadas como um laboratório político, uma mini-federação, um verdadeiro quilombo onde se falavam diversas linguagens, conviviam diversos interesses de grupos, identidades e projetos. Com a consolidação da democracia neo liberal com seus disfarces populistas prevaleceu a cooptação, o oportunismo entre outras mazelas políticas e o IPCN mostrou suas fragilidades entrando em decadência e abandonado, depredado, invadido, roubado em seus equipamentos e acervo, violado em sua memória tornou-se moradia de seus fantasmas.

IPCN - Instituto de Pesquisa das Culturas Negras: foto de Adagoberto Arruda

Agora no XXI ao completar 35 anos o IPCN apenas vive de lembranças não tem mais o que oferecer, não pode mais contribuir para o debate político nem abrigar a militância em busca de um espaço e ambiente inspiradores para suas questões e desafios atuais. Hoje, o IPCN é um espaço mórbido, precocemente envelhecido, como aquela pessoa decadente pelo corpo velho mal cuidado, que mal sustenta-se alimentando seu resto de vida em fragmentos de memória, cacos de objetos e da poeira que ainda pode restar nas frestas dos seus portais, degraus e ranhuras do piso onde outrora - e nem faz tanto tempo - sua militância circulava energética, esperançosa e animada pelas questões que a construção da identidade negra provocava e desafiava. Sem renovar seus quadros enredado em má administração e falta de idéias o IPCN reflete ao fim da primeira década do XXI a mudança e a perda de rumo de grande parte do movimento negro no Rio de Janeiro em que seus novos protagonistas prescindem de sua existência. O IPCN deu sua contribuição fundamental, mas hoje é apenas um quase esqueleto que se sustenta com o beneplácito do tempo que ainda não pulverizou sua estrutura física até a exaustão mas que segue exposto em suas veias, feridas e cicatrizes.
Feliz aniversário seria por demais irônico, meus respeitos parece mais adequado.
Saiba mais sobre o IPCN em seu blog.

2 comentários:

Vissungo disse...

Zé,

A gente reluta, pondera mas daqui para a frente, vamos ter que encarar - e os mais consequentes, sugiro, deviam mesmo estimular -auto críticas cada vez mais contundentes como esta sua.

Todo mundo - como nós dois, entre os que eu me lembro - que estava presente naquelas embrionárias reuniões no início dos anos 70, na UniversidadeCandido Mendes, Zona Sul do Rio, nas quais um renovado Movimento Negro foi articulado, sabe que as contradições que redundaram neste retumbante fracasso de hoje, já estavam presentes ali naquele auditório, fervilhando nos debates de ainda mal alinhavadas facções.

Éramos uma empolgada juventude (alguns poucos como eu, recém saídos de alguma prisão da ditadura) insatisfeitos com a retórica da esquerda convencional que considerava a luta contra o racismo um desvio ideológico posto que, para a quase totalidade daquela intelectualidade branca e bem nascida que formava as opiniões do Brasil, o Racismo ou não existia ou seria um problema secundário que a chegada triunfal do Socialismo, automaticamente resolveria.

Felizmente - ou infelizmente, sei lá -Não somos, daquela hoje grisalha juventude que forjou aquilo que jugávamos ser o Movimento Negro moderno - hoje tão anacrônico - os únicos ingênuos nesta história.

Aquelas contradições que nos ameaçavam como um pecado original, permeavam todo o contexto do movimento social brasileiro contaminando tudo, até mesmo os 'novos' partidos políticos da 'nova' esquerda, que se transformaram, rapidamente, num sorvedouro de anseios políticos de várias pequenas organizações, armadilha da qual o Movimento Negro, como todo o movimento social brasileiro, não tinha mesmo como escapar.

Mas isto não nos redime. Entre todas as ingenuidades, penso que a nossa omissão ética - a despeito de ser a mesma que paralisa toda opinião pública do país como um todo nestes tempos de 'bolsa família'- nossa incapacidade de impedir quetransfugas e oportunistas - de todas as laias raças e cores - ocupassem a liderança de nosso movimento, é um erro que nos cabe assumir e encarar.

A lembrança de nossa franca juventude naqueles debates na Candido Mendes, me evoca esta garotada destas centenas de 'movimentos negros' que pululam hoje pelo país (o lado bom e virtuoso daquela luta), me evoca como símbolo, por exemplo, o Grupo Denegrir da Uerj, de quem sou vizinho. O que esta juventude negra sabe realmente de nós?

Acho que esta garotada precisa conhecer logo e com mais clareza- e sem panos quentes a esta altura inteiramente vãos - o lado mais exemplar desta história de ídolos caídos e maus exemplos aos quais fechamos os olhos e engulimos num corporativismo absolutamente condenável.

Cumpre-nos - pelo menos para mim - ainda como missão sugerida já naqueles debates nos anos 70, contar a história verdadeira deste Movimento Negro decadente (assim como dos partidos políticos decadendes, do governo decadente e de todas as decadencias do país), simbolizado pelas imundas ruínas do prédio do IPCN na Mem de Sá.

O nosso passado real em todas as suas entrelinhas, para que haja um futuro pelo menos aceitável. Negros do Brasil em movimento era que sonhávamos ser e devemos ser.

Ricardo disse...

Reproduzo abaixo um texto postado em nossa lista de mensagens.
Prezados amigos
Espírito Santo e José Ricardo,


Que belíssimo presente recebo pela Internet, poder conversar e rever amigos como vocês dois Espírito Santo- Grupo Visungo e IPCN. José Ricardo, companheiro de muitas lutas, com quem tive o privilégio de compor o Conselho Fiscal do IPCN.
Meus amigos e queridos irmãos, a história da humanidade está repleta de todas esta questões colocadas nestas mensagens. Contudo, não tenho dúvidas de que as nossas experiências vividas na década de 70. Para mim, a coisa se dá precisamente em 1977, é uma história de militância no Movimento Negro, contendo a força da nossa então juventude. Eu ao contrário de muitos companheiros, tenho orgulho desta nossa caminhada. Tudo que está aí hoje, é fruto da nossa luta, das nossos frustrações, das nossas dedicações. Nós somos anteriores as ações afirmativas, cotas, feriado de 20 de novembro, dia da Consciência Negra. Nós colocamos Zumbi dos Palmares no Panteon dos Heróis Nacionais.

Quanto ao IPCN, que sobrevive há 34 anos, " aos trancos e barrancos ", vive um momento inusitado. Mantém a força do seu nome, mais não tem hoje a participação aguerrida das décadas passadas. Alguns poucos associados tentam de todas as formas colocar o IPCN no lugar que lhe é devido. Entretanto, após algumas administrações equivocadas, a nossa instituição está se reconstruindo, material e politicamente, para fazer com que os associados voltem a frequentar aquela casa, para debater as nossas questões.
Quanto ao Movimento Negro, entendo que está na hora de envolver a sociedade civil organizada nesta luta de combate a discriminação racial, igualdade racial, igualdade de oportunidades, demonstrando que estes problemas, não são tão somente do povo negro ou afro descendente, como preferem alguns. Na nossa visão estas questões mal resolvidas, são os vetores principais da violência urbana, da pobreza e da fome.
Não que se falar em segurança pública, saúde e educação, se não formos todos nós destinatários destes deveres do Estado.
Espírito Santos, meu irmão querido, embora não seja dirigente do IPCN, neste momento, gostaria de convidar você e nosso irmão Zé Ricardo para ajudar nesta reconstrução do IPCN. A nossa instituição está precisando de nós. O IPCN somos nós os associados e militantes com compromisso com a luta do povo negro brasileiro. IPCN VIVE!

Um forte abraço.

José dos Santos Oliveira
Director do CEPERJ
Coordenador do
IV FÓRUM CRIMINAL RACISMO É CRIME

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