Leia aqui o editorial do Irohin
É comum ouvirmos este tipo de afirmação feita de fora para dentro do movimento negro: - "vocês não se entendem, brigam muito". Também é comum ouvirmos no interior do movimento negro manifestações sobre algumas divergências internas: - "... os nossos adversários estão nos observando, estamos dando munição para eles".
Divergir é uma etapa da vida dos grupos e da sua construção e amadurecimento, além de compor o processo das identificações pessoais. Portanto, aí não reside o perigo, a contraposição, o debate, a diferenciação e a busca de novas identificações são características da vida social.
Mas, as tais afirmações, o que tentam nos tentam dizer? O que tem em comum? Qual o seu significado?
Elas tanto servem de advertência como tendem a "naturalizar" situações que são próprias de conflitos como se fosse uma pré-disposição de origem do negro para divergir entre si. Este tipo de assertiva tem um fácil reconhecimento porque se legitima em sentidos comuns de ditados populares como este que é proferido muitas vezes com relação às mulheres: "o pior inimigo de uma mulher é outra mulher".
No editorial - "Somos assim, fazer o que?" da última edição do jornal Irohín (no. 22, março/2008*) é apresentado um tema pouco tratado sobre o movimento negro: a questão dos grupos negros partidarizados. O tema foi abordado tendo como contexto alguns acontecimentos recentes que envolvem diretamente o movimento negro e militantes negros nos partidos políticos, concluindo serem estes grupos politicamente inertes face as demandas sociais. É um texto provocador e oportuno por ser este um ano eleitoral em que também deverá ser realizado o Congresso Nacional de Negros e Negras e ainda poderão ocorrer debates e a votação do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso Nacional. Mas em outro aspecto principal, o editorial acaba reafirmando pelo título e conclusão um mesmo caráter determinista, fatalista e naturalizante do qual se vale para criticar, ainda que sob um tom de ironia, constata, mas não explica: Somos assim, fazer o que?
Por que somos assim? Observado de uma maneira não-fatalista e não-determinista, podemos dizer que os grupos negros partidarizados são fracos ou inertes porque seus líderes não tem qualificação para o debate? Ou porque o próprio movimento negro é frágil politicamente?
Mas estes pontos combinados sem seus devidos contextos pode nos conduzir a uma tautologia. São assim, porque são. Ou fatalisticamente: Somos assim, fazer o que?
Ainda assim é possível concordar com um certo sentido do editorial que por seu tom irônico, sabemos que não se trata de uma sentença absoluta. Por exemplo, são conhecidos alguns políticos negros que mesmo não oriundos do movimento negro em alguns momentos se valem dele para aumentarem seu valor político. Os exemplos não são poucos e citá-los, não é o caso.
Também existem nos partidos os 'eternos candidatos', bem articulados são renovadamente derrotados nas urnas, mas pelo volume de votos podem (ou não) respaldar sua liderança e prestígio para permanecer em novas disputas e obter nomeações na máquina pública que alimentarão novas barganhas fisiológicas. Também as urnas podem enterrrar o candidato de vez. e sabemos, que para manter-se na disputa estes líderes precisam dos grupos negros partidarizados que são o elo com o movimento (social) negro, quando não tentam ser o próprio movimento negro - o que não deixa de ser um paradoxo.
São necessários ainda recursos financeiros crescentes para se manter na disputa partidária-eleitoral o que os movimento (social) negro não dispõe. Podendo até haver um maior número de candidatos a candidatos em disputa e sem liderança formando tais grupos em certos partidos do que compondo uma verdadeira base partidária ou fortalecendo uma liderança.
O fato de ser isto uma prerrogativa do cidadão numa democracia também demonstra uma falta de estratégia política do movimento (político) negro. Esta é uma situação crucial para a sua debilidade porque irá redundar na falta de mobilização e de trabalho político nas bases comunitárias e por consequencia na falta de filiações e de posições nos diretórios partidários.
Pode ocorrer que um membro do grupo negro no partido possua por um desempenho particular possua destacadamente algumas destas qualificações e por vezes se acha apto à disputa eleitoral e aí se forma o círculo vicioso: as bases não são suficientes, faltam recursos, etc. De todo forma são elementos da dinâmica da disputa partidária que se nutre destas mesmas disputas e confrontos internos e externos. Junto a isto, há a necessidade de fazer as alianças políticas e o político negro carrega uma fragilidade que lhe é atribuída por sua identidade negra e própria do racismo penetrado fundo nas mentes e instituições. Some-se ainda a falta de um projeto político do movimento (político) negro e que também seja consensual para a sociedade.
Ainda assim em diversos setores intelectuais e através da mídia uma forte desconfiança sobre se serão mesmo os negros que devem conduzir uma tal política, o que serve para alimentar a resistência nos partidos e na sociedade. E na sociedade e nos partidos a hegemonia é não-negra o que significa que o poder não é uma concessão e sim uma conquista.
Para realizar alianças políticas-partidárias a liderança negra vai precisar abrir mão de certas posições de luta ou de reinvindicações por outras posições que não são necessariamente prioridades para o movimento (político) negro o que esvazia e fragiliza suas próprias bases internas e externas. Este enfraquecimento das bases políticas não ocorreia se elas fossem melhor qualificadas. E ainda o grupo político pressionado pela disputa eleitoral, que precisa de votos em quantidade e não em qualidade, novamente forma o círculo vicioso da busca dos votos (desqualificados) que migram a cada eleição.
Se ocorrer um fraco desempenho das reinvindicações do movimento negro aí se produz uma cobrança para a liderança negra que não consegue "resolver" como manter seu próprio equilíbrio político, novamente se forma um círculo vicioso: o movimento (social) negro sabe que precisa da política pela via do partido mas que não oferece ou contrapõe suas bases para negociar e fortalecer os grupos negros partidarizados e as suas lideranças.
Esta curta análise (e mal traçadas linhas) pretendeu mostrar como as bases políticas do movimento negro no partido e fora dele são frágeis - no que pretende concordar com o referido editorial do Irohín. Este quadro é observado nas afirmações de diversas lideranças politicas como reforçou o Presidente Lula e exemplificado no editorial. Disse o Presidente Lula que a (ex-) Ministra Matilde Ribeiro foi 'humilde demais' e por isso não soube negociar as verbas com o Ministério da Fazenda e do Planejamento para a Agenda Social Quilombola - mas, quando a ex-Ministra Matilde aperta na 'cobrança', aí, podem vazar na mídia notícias como pressão política: uma fala deslocada de seu contexto, um uso indevido do cartão corporativo ou uma "postura arrogante".
Noutra citação do editorial do Irohin sobre o Presidente Lula que afirmou que o movimento negro esperara "três séculos para realizar cobranças históricas" e também atestou sua "imaturidade política". São sentenças típicas do desconhecimento histórico e da arrogância política e atendem a um determinismo e a uma tentativa de naturalização de conjunturas o que demonstra que o Presidente Lula desconhece a história afro-brasileira e também por isso, profere tais infâmias políticas contra a população negra. Quanto ao tom paternalista de uma outra citação em que se propôs à alternativa de "resolver carinhosamente" o problema, seria adequado em outro momento ser feita uma análise específica, porque seu estilo de comunicação faz um grande uso de metáforas e sua origem política o remete à algumas contradições do movimento social e trabalhador existentes entre suas bases e cúpulas e o atual bloco de poder.
O editorial cita ainda uma passagem do livro recém-lançado de FHC que possui o 'pretencioso título': "A arte da Política" no qual o ex-Presidente deixa de citar o movimento negro e os negros de seu próprio partido e nesta omissão os desqualifica demonstrando bem ao que veio esta reencarnação do Príncipe. O que confirma uma tese do editorial, onde estão estes quadros que não reclamam? Ou para que existem, caberia também perguntar.
Nos exemplos apontados fica demonstrado a enorme fragilidade dos grupos negros partidários. A isto se deve acrescentar a quase total ausência de debate público por parte destes grupos tanto para a defesa ou para a crítica ao Estatuto da Igualdade Racial. Há apenas um certo ruído no movimento (político) negro, além daquele mais ampliado pela mídia em especial do conglomerado de comunicação Rede Globo ampliando a reação ao Estatuto por parte de uma parcela acadêmica e que acabou ocupando o papel dos eventuais críticos dentro do próprio movimento negro.
Por fim, vejo manifestado na setença fatalista do título do editorial - Somos assim, fazer o que? - a tal tendência da naturalização destas fraquezas políticas. Porém creio que o que se poderá fazer adequadamente estará mais próximo quando a análise oferecer um diagnóstico acertado e um método de ação ideal. Sem isso, caímos num vazio e nos erros de uma parcela de toda militância social seja negra ou não-negra e que se renova a cada geração, o espontaneísmo e o voluntarismo.
* Revisada em 18/05/2008.
Um comentário:
Hoje no Brasil,é preciso os movimentos negros partidarios se reunirem e fazerem um documento que seja unico dos problemas que atingem a todos os movimentos e façam uma adaptação dentro dos seus partidos mas a razão é que todos os movimentos falem a mesma linguagem naquilo que lhe aflige.Este texto que li,é perfeito ha uma necessidade grande que o dirigente de movimento inserido dentro de um partido tenha poder de debate,participe da vida de um partido efetivamente como um dirigente e não como um figurante,captador de voto,procure mostrar sua evolução enquanto dirigente de movimento social e não dependa exclusivamente do partido que participa,em fim sem contar que os partidos politicos tambem não deixam as lideranças negras participar dando opiniões,guando te dão a palavra logo te tiram,então não é estranho o livro não falar dos movimentos, se em muitas vezes os partidoas politicos nem anunciam que no seu quadro de movimentos socias existe um movimento negro.Neste sentido eu concluo dizendo o negro deve fazer nova historia,vamos deixar a historia antiga que énosso alicerse nos curriculos escolares para que os mais jovens nos conheçam.Veja que absurdo as vezes somos orgão de apoio de um partido politico e não nos repassam verbas para os nossos projetos,nossos seminarios congressos.
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