19.5.08

Rudolf, do mestiço trágico ao militante tosco

O estereótipo do mestiço trágico (tragic mulatto) tem uma forte referência no cinema norte-americano do início do século XX que o dissemina com eficiência para o mercado latino-americano já sob forte influência da cultura da mídia dos EUA como um tipo marcado pela ambiguidade e pelo conflito por sua origem racial.

Este tipo se desenvolve no melodrama como uma espécie de realização macabra da previsão da ciência eugenista no entre séculos XIX-XX que tentava assim justificar a hierarquia da raças e a pureza genética do europeu corrompida pelo sangue negro e índígena nas Américas.

Tonando-se um personagem típico e adequado ao popular estilo melodramático que perdura na mídia até os anos 50, quando passa nos EUA a ser contestado pelo movimento negro norte-americano fortalecido pelo período do pós-guerra.

Como principal produto da televisão brasileira as telenovelas contam com uma audiência diária de milhões de expectadores, mas, ao contrário do que se poderia supor, de que as suas histórias refletissem os conflitos, dramas e esperanças da população, não é o que ocorre.

O ideal de sociedade promovido pela televisão brasileira continua projetando um modelo de branqueamento da sua população baseada nos princípios eugenistas do século XIX, além do elistismo cultural e social que contextualiza a maioria de suas produções.

Rudolf Stenzel é o nome do personagem negro interpetado pelo ator Diogo Almeida na novela Duas Caras da TV Globo.

Rudolf é um personagem negro peculiar, ele se sente culpado por ser rico e se apresenta como estudante "pobre e carente" do Vidigal para ser aceito como um líder estudantil de esquerda numa universidade privada.

Por ser negro se protege das possíveis manifestações explícitas de racismo carregando um gravador. Sua família não aparece, sabe-se apenas que seu pai é um alemão ou holandes (na fala do personagem) e sua mãe uma mulher negra.

Rudolf é um militante no estilo anos 70, cabelo black power que usa um discurso estudantil de esquerda e que tem sua identidade de rico ameaçada por Ramona uma jovem branca de classe média sua adversária na política estudantil e por quem se sente atraído.

O personagem Rudolf é definido por umas poucas imagens e sua marca é o conflito entre as identidades de negro e rico.

Pela capacidade que produtos cultura da mídia como as telenovelas tem de interferir na vida das pessoas modelando seus comportamentos, estilos de vida, hábitos de consumo e idéias é que sua importância se destaca para que se façam leituras críticas sobre seus conteúdos.

As leituras críticas nos permitem a identificação de um contexto social, político e econômico contidos nos textos e imagens que codificam as relações de poder e de dominação e que muitas vezes são apresentados numa mistura contraditória de formas que promovem tanto a dominação como a resistência.
Isto se deve porque as telenovelas são feitas para atingir a maior audiência possível e por isso promovem um jogo de valores, idéias e posições políticas variáveis entre as posições conservadoras e liberais. E que num movimento pendular visam promover os próprios interesses da mídia e dos setores dominantes jogando com os valores e as posições políticas e morais da sociedade como aquelas que se referem a gênero, raça, classes e sexualidade.

Os estereótipos que cercam os personagens negros nas telenovelas são recorrentes também em Rudolf, e o que se destaca nele é a sua posição social "fora do lugar", reforçado por diversas polarizações que o envolve nesta contradição.

Pobre Rudolf! É o novo "mestiço trágico" (tragic mulatto) o tipo divido por sua origem mestiça com a possível diferença de um final feliz graças ao seu par romântico com a "burguesinha" da trama.

A suposição que a novela provoca é que Rudolf é rico por ser filho de pai branco e não por ser filho de uma mulher negra, o que parece óbvio representa a clássica hierarquia de gênero, raça e classe: homem, branco e rico. Mas o que é mais típico do personagem Rudolf é a sua posição social aparecer como "ilegítima" para ele próprio, ao contrário de uma representação positiva ou crítica de sua posição social privilegiada.

A eventual suposição sobre a origem social da mãe negra de Rudolf fica reforçada pela referência da personagem de Adriana Alves, uma mulher negra ex-favelada que se torna a Condessa Finzi-Cotini, milionária que ficou viúva de um aristocrata italiano. Esta provocação à imaginação do expectador fica disponível pelo repertório de imagens estereotipadas do estoque repassado pela mídia sobre os negros.

Um outro conjunto de símbolos e imagens se destaca em torno do tema racismo fazendo uma referência não a lei que o pune, mas ao uso de um gravador como um instrumento para sua prevenção. Contraditoriamente a própria novela demonstra o uso ineficaz do gravador contra uma suposta agressão racista feita a Rudolf, de que uma gravação não tem um efeito criminal eficaz e muito menos qualquer efeito jurídico.

O gravador que aparece como um reforço para a imagem do "revolucionário tosco" é transformando num símbolo de resistência tão ineficaz como o personagem Rudolf ambos não contém efetivamente qualquer imagem positiva para o negro ou para a questão do racismo representados na novela.

É possível fazermos ainda uma associação com o nome Rudolf que lembra Adolf e cuja primeira sílaba Ru possui uma sonorida assemelhada a Hi(tler) associando assim subliminarmente o personagem negro revolucionário de esquerda ao líder nazista, imagem reforçada pela sua postura política radical. E ainda, salvos pelo gongo, Rudolf não era um militante do movimento negro favorável as cotas. Mas a referência ao tema polêmico para os conservadores ocorreu no capítulo do dia 28/03 quando Ramona seu par romântico, aparece lendo um livro recente que tenta provar que não somos um país racista e cujo autor é um diretor das empresas Globo e este sim um tosco militante anti-cotas raciais.

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