O Rei àquela altura de seus pensamentos, bufava como se estivesse em audiência com um daqueles impertinentes jovens representantes das maiorias que clamavam por mais direitos.
Suando, suas bochechas se avolumavam e murchavam como se fosse um pistonista, e pensava exaltado com os seus próprios botões:
Suando, suas bochechas se avolumavam e murchavam como se fosse um pistonista, e pensava exaltado com os seus próprios botões:
" - Mas ora vejam, NÓS OS BONS racializamos o mundo quando foi ÚTIL para o NOSSO PROJETO. É verdade que para isso tivemos que contar com a ajuda divina e do Papa, ainda assim tivemos que segregar e assassinar uns tantos por trabalho ou por prevenção para assegurar nossa cota de riqueza e poder...mas agora os tempos são outros, reconhecemos isso, e NÓS também acreditamos no UNIVERSAL. Porque então quererem racializar de novo? Não, não, não!"
O Rei sente que precisa acalmar-se, lembra-se de que uma vez lhe disseram que era pum preso! E aquela sensação de explosão interna parecia chegar-lhe ao miolos, a própria barba e o cabelo pareciam eriçar-se e a brilhar-lhe os grisalhos.
" - Querem cotas como NÓS, ora, pois bem! Agora não somos todos iguais?"
Seus pensamentos emendavam numa grande velocidade e ele tinha a forte sensação de que nestes momentos atingia seu clímax! Era como se seus próprios pensamentos saíssem de sua cabeça e desfilassem à sua frente...
E seguia agora mais ainda impetuoso...
" - Tivemos nossa cota da riqueza produzida nestes últimos 500 anos, fudemos-lhes a alma e as mulheres, fertilizamos a terra com seu sangue, nos banhamos no seu suor e os fizemos crer numa inferioridade racial e agora que NÓS também cremos na igualdade, querem nos cobrar no futuro? Afinal, para que serve a história? O passado não é para ser redimido? Aceitamos a culpa, o perdão e a...anistia".
Deixando escapar um discreto sorriso que não saberia dizer se pela pérola de pensamento, alívio pelo esforço matinal ou se de regozijo pelo primeiro pum.
Novamente o Rei precisa tomar fôlego de todas aquelas coisas que já pareciam ter ficado para trás e esquecidas (e engolidas e talvez mal digeridas), afinal, o mundo mudara e ele junto.
Impaciente consigo mesmo, achava que seu pensamento se prolongara demais e estava repetitivo, porém não se continha em explicar e explicar para si próprio da mesma forma que aprendera e que agora com sua autoridade era preciso fazer com que os súditos mais uma vez acreditassem nas palavras do Rei.
" - Não me venham mais com essa nossa velha idéia de querer racializar o mundo. Essa idéia é nossa, NÓS a criamos e dela nos aproveitamos até o outro ponto de fazê-los acreditar que ela já não existe mais e sim o ser UNIVERSAL.
Agora, já com um ar solene e num ato de deferência a si mesmo completa o pensamento, totalmente imbuído de uma clarividência que chega mesmo a assombrar-lhe e a arrepiá-lo na parte púbica causando-lhe ainda certa contração no esfíncter.
" - NÓS criamos a nossa cota, NÓS lhes demos o progresso e a modernidade contribuímos para a invenção de suas identidades e agora querem recuperar o passado a seu favor? Querem também cotas quando também NÓS agora pregamos a igualdade e fim de privilégios? Cotas que lhes reduzam a pobreza, a falta de poder, querem uma garantia para as próximas gerações?"
Por um momento seus pensamentos novamente flutuavam em idéias fortes e surgiam imagens evanescentes que... outro um pum assoviado!
E assim pareceu mais fácil concluir: " - É a nossa cota, precisamos mantê-la!"
Em seu estilo grandiloquente faz uma reverência a uma platéia de súditos imaginando que aqueles pensamentos emanados num belo dia tropical atinjiriam a todos os seres.
" - Para vocês o mundo UNIVERSAL, de todos para todos, sem reservas, sem cotas de privilégio..."
E naquela fração de segundo quando o abdome contraído naquele movimento circunstancial (e reverente) se enrijesse, ele súbitamente deixa escapar outro pum...
" - Deixa estar que com aquela cota já precavi o meu quinhão!
Num súbito despertar, o velho bacharel abre os olhos...ele sente uma profunda nostalgia daquele tempo de formação acadêmica em que mudar o mundo parecia uma nova possibilidade, agora sem convicções carrega seu pecado e pesar por rever suas crenças de juventude. Ele agora sabe que para manter alguns privilégios não valem as só as cotas, é preciso ainda de boa cota de cinismo.
Daí para a frente, conta-se que o Rei segue repetindo diariamente seu novo refrão: cotas, não...(pum!), cotas não...(pum!)
Afinal, de certa forma tudo começou com aquelas especiarias à Caminho das Índias, não foi ó pá? Pum!
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